A Arquitetura do Poder Global: Uma Investigação sobre os Atores e Estruturas de Vértice que Governam o Século XXI

Introdução

Este relatório argumenta que o poder global no século XXI não é exercido por uma única entidade, mas está inserido num sistema complexo e multifacetado de governação global. Este sistema é fundamentalmente moldado pelo poder estrutural — a capacidade de definir as regras do jogo — que se concentra numa rede de atores estatais e não estatais que, em conjunto, formam uma elite de poder transnacional. Iremos dissecar esta arquitetura, identificar os seus principais atores e traçar os caminhos da sua influência desde o vértice global até às realidades locais.

A metodologia deste relatório emprega uma abordagem multidisciplinar, integrando teorias das relações internacionais (Realismo, Institucionalismo Liberal), da economia política (o trabalho de Susan Strange) e da sociologia (Teoria das Elites). Sintetiza literatura académica, relatórios da indústria e estudos de caso para fornecer uma análise abrangente e empiricamente fundamentada.

O relatório está estruturado em três partes. A Parte I estabelece o enquadramento teórico. A Parte II traça o perfil dos atores de vértice que detêm o poder estrutural. A Parte III examina as redes e os mecanismos através dos quais este poder é exercido e sentido no terreno.

Parte I: Os Fundamentos Teóricos do Poder Global

Capítulo 1: Governação num Mundo Globalizado

A paisagem do poder internacional contemporâneo transcendeu os modelos tradicionais centrados no Estado. O conceito de "governação global" emergiu para descrever o complexo de instituições formais e informais, mecanismos e processos que coordenam os atores transnacionais e abordam problemas coletivos que ultrapassam a capacidade de resolução dos Estados individuais. É crucial estabelecer que se trata de uma "governação sem governo", um sistema que carece de uma autoridade única e soberana, mas que, no entanto, se caracteriza pela formulação, monitorização e aplicação de regras. Este sistema abrange tudo, desde acordos bilaterais sobre a utilização de um rio a regimes globais como o Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Lentes Teóricas

A natureza e a eficácia da governação global são interpretadas através de várias lentes teóricas concorrentes. A perspetiva do Realismo vê a governação global como um mero instrumento para que os Estados poderosos mantenham a sua hegemonia. Nesta visão, a cooperação é secundária à luta pelo poder e é frequentemente dificultada por preocupações com "ganhos relativos", onde os Estados se preocupam mais com o facto de os rivais poderem ganhar mais do que eles próprios. Os Estados soberanos continuam a ser os principais atores, e as instituições internacionais operam sob diretrizes que favorecem os cálculos de interesse próprio dos Estados, com base na distribuição global de poder.

Em contrapartida, o Institucionalismo Liberal argumenta que a governação global é um sistema eficaz para promover a cooperação. As instituições e as organizações intergovernamentais (OIG) são vistas como cruciais para resolver problemas coletivos, reduzir os custos de transação, tornar os compromissos mais credíveis e manter a estabilidade através da segurança coletiva. Esta perspetiva otimista encara a cooperação como uma necessidade racional para os Estados num mundo interdependente.

Uma terceira perspetiva, o Construtivismo Social, foca-se em como as ideias, normas e relações sociais partilhadas moldam as identidades e os interesses dos atores estatais e não estatais. Para os construtivistas, a estrutura do sistema internacional não é apenas material, mas também social. A mudança estrutural pode ser alcançada através da alteração de um sistema de expectativas, destacando o poder das ideias na influência do comportamento no cenário global.

A Ascensão dos Atores Não Estatais

A evolução da teoria das relações internacionais reflete uma mudança de um modelo puramente centrado no Estado para um que reconhece o papel crítico dos atores não estatais. A partir da década de 1970, um número crescente de académicos começou a argumentar que as relações transnacionais, impulsionadas pela expansão da economia mundial, transcendiam os limites do Estado-nação. Embora os Estados continuem a ser os decisores mais poderosos, o seu poder está a ser transformado e, em muitos casos, partilhado com entidades privadas, como empresas transnacionais (ETN) e organizações não governamentais (ONG). Esta distinção analítica entre atividade governamental e não governamental é fundamental para compreender as estruturas de poder modernas, onde a "autoridade privada", baseada numa combinação de poder e legitimidade, pode coexistir e interagir com a autoridade estatal.

Contestação, Legitimidade e o Paradoxo da Fragmentação

O sistema de governação global não é monolítico nem harmonioso; é um campo de prática onde diversos atores competem por influência. O sistema está inserido numa estrutura de hierarquias e desigualdades de poder, o que inerentemente cria contestação, resistência e lutas pela sua legitimidade. Esta dinâmica revela uma tensão central: enquanto a governação global visa resolver problemas coletivos, a sua arquitetura está a tornar-se cada vez mais fragmentada e as suas formas tradicionais, baseadas em tratados, estão a estagnar.

Esta aparente contradição não sinaliza um colapso da governação, mas sim uma transformação fundamental. O "velho modelo de governação", caracterizado por tratados abrangentes, universais e juridicamente vinculativos, como o Protocolo de Quioto, provou ser inadequado para lidar com os desafios complexos e multifacetados do mundo moderno. Em consequência, o poder está a deslocar-se para modelos de "nova governação". Estes modelos privilegiam abordagens mais flexíveis, como a definição de metas globais não vinculativas, a "orquestração" através de intermediários voluntários, parcerias público-privadas e processos com múltiplos interessados.

Esta transição para uma governação mais "suave" e informal tem implicações profundas para a responsabilização. A "lei suave" e os processos de orquestração são inerentemente menos transparentes do que os tratados formais. Esta falta de transparência cria um ambiente onde atores privados poderosos podem exercer uma influência significativa longe do escrutínio público, resultando num défice democrático no cerne da governação global. A capacidade de participar e influenciar este sistema depende frequentemente de recursos económicos, sociais e simbólicos, excluindo efetivamente os atores que não os possuem.

Capítulo 2: Poder Estrutural - A Capacidade de Moldar o Sistema

Para compreender a verdadeira dinâmica do poder global, é necessário ir além da noção de poder relacional — a capacidade de um ator A levar um ator B a fazer algo que B de outra forma não faria. Um conceito mais profundo e consequente é o de poder estrutural, definido pela académica Susan Strange como "o poder de moldar e determinar as estruturas da economia política global dentro das quais outros Estados, as suas instituições políticas, as suas empresas económicas e [...] cientistas e profissionais têm de operar". Em essência, é a capacidade de definir as regras do jogo, de determinar as normas, regras e instituições que governam as relações internacionais.

Os Quatro Pilares do Poder Estrutural

A análise do poder estrutural pode ser organizada em torno de quatro estruturas primárias interligadas:

  1. A Estrutura de Segurança: O poder de fornecer segurança, de a negar ou de a ameaçar. Esta estrutura determina a natureza das ameaças e as respostas aceitáveis, moldando as alianças e as políticas de defesa.

  2. A Estrutura de Produção: O poder de decidir o que é produzido, por quem, como e em que termos. Esta estrutura governa a divisão internacional do trabalho, a propriedade da tecnologia e a organização da produção e do comércio globais.

  3. A Estrutura Financeira: O poder de criar crédito e determinar o acesso ao mesmo. Esta é a capacidade de fornecer ou negar financiamento, de definir a moeda de troca e de estabelecer as regras que regem os mercados financeiros.

  4. A Estrutura do Conhecimento: O poder de moldar crenças, ideias, perceções e conhecimento. Esta estrutura influencia o que é considerado verdade, o que é legítimo e quais são os valores e prioridades que orientam a ação.

É crucial sublinhar que o poder estrutural é mais determinante para a liderança internacional do que uma simples contagem das capacidades de um Estado, como o tamanho do seu exército ou o seu PIB. Um Estado pode possuir capacidades imensas, mas carecer de poder estrutural se não controlar os sistemas subjacentes de interação que constituem estas quatro estruturas. O poder estrutural é autossustentável, pois aqueles que moldam o sistema podem estabelecer regras que mantêm o seu domínio. No entanto, não é absoluto e pode ser contestado por potências emergentes que procuram remodelar o sistema global para refletir os seus próprios interesses e valores.

A Primazia da Estrutura Financeira

Embora as quatro estruturas sejam importantes, a evidência aponta consistentemente para a estrutura financeira como a forma mais potente e penetrante de poder estrutural no mundo contemporâneo. O controlo sobre o crédito, o investimento e a dívida confere uma alavancagem desproporcional sobre as outras estruturas.

A análise dos atores e mecanismos mais poderosos no cenário global revela a sua localização predominante dentro da arquitetura financeira. As condicionalidades dos empréstimos do FMI e do Banco Mundial (estrutura financeira) podem forçar um país a privatizar indústrias (estrutura de produção) ou a cortar o financiamento da educação (estrutura do conhecimento). A política monetária da Reserva Federal dos EUA (estrutura financeira) influencia os fluxos de capital globais, afetando as decisões de investimento em todo o mundo. A concentração de propriedade nas mãos dos gestores de ativos "Três Grandes" (estrutura financeira) confere-lhes uma influência sem precedentes sobre a governação das maiores empresas do mundo. O papel de guardiões sistémicos das agências de notação de crédito (estrutura financeira) pode determinar o destino económico de nações soberanas.

Um rebaixamento da notação de crédito (estrutura financeira) pode desestabilizar um governo (estrutura de segurança). Esta interligação demonstra que qualquer análise do poder global deve priorizar a compreensão da arquitetura financeira. Os atores que controlam as alavancas do capital exercem uma influência decisiva sobre todo o sistema global.

Capítulo 3: A Elite de Poder Transnacional

O conceito de poder estrutural descreve a arquitetura do sistema, mas quem são os arquitetos? A teoria sociológica fornece uma resposta através do conceito de uma elite de poder. Começando com o trabalho clássico de C. Wright Mills, a "elite de poder" é conceptualizada como um pequeno grupo interligado de líderes de instituições políticas, económicas e militares que detêm uma influência significativa sobre a sociedade. Estes indivíduos partilham frequentemente origens, educação e redes sociais semelhantes, o que lhes permite colaborar entre diferentes setores para moldar os valores e as normas da sociedade.

No contexto da globalização, este conceito evoluiu para a teoria da Classe Capitalista Transnacional (CCT), desenvolvida por académicos neo-gramscianos e marxistas. A CCT é definida como o segmento da burguesia mundial que representa o capital transnacional. É uma classe social global cujos interesses económicos estão cada vez mais ligados globalmente, em vez de serem exclusivamente locais ou nacionais.

Composição e Coesão da CCT

A CCT não é composta apenas por líderes empresariais. De acordo com a análise de Leslie Sklair, é constituída por quatro frações principais que se sobrepõem :

  1. Fração Corporativa: Os proprietários e controladores das principais empresas transnacionais (ETN) e das suas afiliadas locais.

  2. Fração Política: Políticos e burocratas globalizantes que operam em instituições estatais e supraestatais (como o FMI, o Banco Mundial e a OMC).

  3. Fração Técnica: Profissionais globalizantes, como consultores, advogados, cientistas e engenheiros, cujo trabalho facilita a acumulação global de capital.

  4. Fração Consumista: Comerciantes e meios de comunicação social que promovem a ideologia e as práticas do consumismo global.

A coesão desta classe é fomentada através de redes e instituições partilhadas. Fóruns como o Fórum Económico Mundial (FEM) em Davos servem como locais de encontro cruciais onde as frações corporativa e estatal se reúnem para coordenar agendas. A sua ideologia partilhada é a do capitalismo de mercado livre global. Esta mentalidade é encapsulada pelo termo "Homem de Davos": uma elite global que vê as fronteiras nacionais como obstáculos e os governos nacionais como resíduos do passado, cuja única função útil é facilitar as operações da elite global. A teoria postula que os Estados-nação têm menos controlo sobre as ETN e que a CCT colabora para promover os seus próprios interesses, muitas vezes influenciando a política estatal para que esta sirva como um veículo para o avanço dos interesses do capital transnacional.

A CCT como Agente Humano do Poder Estrutural

Os conceitos de Poder Estrutural e da Classe Capitalista Transnacional não são separados, mas sim profundamente interligados. Se o poder estrutural é a arquitetura abstrata do sistema global, a CCT é o agente humano que constrói, mantém e beneficia dessa mesma arquitetura.

Esta ligação pode ser vista claramente ao mapear as frações da CCT para as estruturas de poder. A "fração corporativa" da CCT controla diretamente a estrutura de produção através das ETN. As elites financeiras dentro desta fração, como os gestores de ativos e os banqueiros, controlam a estrutura financeira. A "fração política", composta por burocratas globalizantes no FMI, Banco Mundial e outras OIG, ajuda a gerir e a legitimar estas estruturas. A "fração técnica", que inclui consultores de gestão como a McKinsey e escritórios de advogados internacionais, fornece a perícia necessária para conceber e operar estes sistemas complexos. Finalmente, a "fração consumista", através dos meios de comunicação social globais, propaga a ideologia do consumismo e do neoliberalismo que sustenta a estrutura do conhecimento.

Portanto, a governação global não é um sistema impessoal e neutro. É um sistema gerido por e para a Classe Capitalista Transnacional. As instituições, regras e normas da governação global são os instrumentos através dos quais esta classe exerce o seu poder estrutural. Esta compreensão fornece uma ponte crucial entre a teoria abstrata e os atores do mundo real que serão perfilados na Parte II, demonstrando como as decisões tomadas em salas de reuniões corporativas, fóruns de elite e instituições financeiras internacionais moldam a vida de milhares de milhões de pessoas.

Parte II: Os Atores de Vértice na Hierarquia Global

Capítulo 4: O Estado Indispensável e o Conjunto de Ferramentas do Hegemónico

Apesar da ascensão dos atores não estatais, o Estado soberano continua a ser o ator principal e mais poderoso na política global. O sistema de Vestefália, baseado nos princípios da soberania e da não intervenção, continua a ser a base da ordem internacional, consagrado na Carta das Nações Unidas. Apenas o Estado detém a autoridade legítima para governar o seu território e, de forma crucial, para iniciar operações militares.

Dentro deste sistema de Estados, os Estados Unidos ocupam uma posição única e hegemónica. Podem ser descritos como um unipolar — um Estado que não enfrenta nenhum concorrente capaz de formar um contrapeso — ou como um hegemónico — um Estado com o poder de moldar o sistema internacional e influenciar o comportamento de outros Estados. Este poder não é apenas material (militar e económico), mas também social, mantido através da legitimação e institucionalização de uma ordem que serve os seus interesses. Este poder hegemónico é exercido através de um conjunto de ferramentas estruturais interligadas.

Ferramenta 1: O Complexo Militar-Industrial (CMI)

O CMI descreve a relação simbiótica entre as forças armadas de uma nação, a indústria de defesa que as abastece e o establishment político. Esta relação forma o que os críticos designam por "triângulo de ferro" de legisladores, funcionários governamentais e empresas da indústria militar, que se beneficiam mutuamente de elevados níveis de despesa militar. As empresas recebem contratos lucrativos, os militares obtêm armamento avançado e os políticos recebem contribuições para as suas campanhas e apoiam empregos nos seus distritos.

A influência do CMI na política é profunda. Mobiliza o apoio político para o aumento da despesa militar e promove políticas que favorecem soluções militares em detrimento das diplomáticas, influenciando assim a política externa e perpetuando conflitos. No seu discurso de despedida em 1961, o Presidente Dwight D. Eisenhower alertou para a "influência injustificada" do CMI, um aviso que continua a ser profundamente relevante.

Ferramenta 2: O Sistema do Petrodólar

O sistema do petrodólar refere-se à prática de fixar o preço das exportações de petróleo em dólares americanos. Embora não seja um sistema formal ou um tratado, a posição do dólar como principal moeda de reserva mundial torna-o a moeda mais conveniente e segura para as transações petrolíferas.

Esta prática confere um imenso poder estrutural aos Estados Unidos na estrutura financeira global. Cria uma procura global constante por dólares americanos, uma vez que os países precisam de os adquirir para comprar petróleo. Além disso, facilita a "reciclagem de petrodólares", através da qual as receitas do petróleo obtidas pelos países exportadores são reinvestidas em ativos financeiros dos EUA, como Títulos do Tesouro. Este influxo de capital ajuda a financiar os défices orçamentais e de conta corrente dos EUA, permitindo ao país manter níveis de despesa que seriam insustentáveis para outras nações.

A Interdependência das Ferramentas Hegemónicas

O CMI e o sistema do petrodólar não são pilares independentes do poder dos EUA; são mutuamente reforçadores e interdependentes, criando um poderoso ciclo de feedback que sustenta a hegemonia americana. O sistema do petrodólar, para funcionar, requer estabilidade geopolítica e a segurança das principais regiões produtoras de petróleo e das rotas de navegação. As forças armadas dos EUA, financiadas pelo CMI, são o principal ator global capaz de fornecer esta segurança, como exemplificado pela sua presença naval de longa data no Golfo Pérsico. Assim, a necessidade de proteger o sistema do petrodólar fornece uma justificação poderosa e contínua para as enormes despesas militares exigidas pelo CMI.

Por outro lado, a estabilidade financeira e os influxos de capital proporcionados pela reciclagem de petrodólares permitem aos Estados Unidos sustentar os elevados níveis de despesa deficitária necessários para financiar o CMI sem desencadear uma crise financeira interna. O capital estrangeiro que compra a dívida dos EUA financia indiretamente o seu poderio militar. Esta sinergia, em que o poder militar dos EUA sustenta o seu poder financeiro e o seu poder financeiro financia o seu poder militar, é um componente central do poder estrutural dos EUA e explica a sua notável durabilidade.

Capítulo 5: Os Arquitetos das Finanças Globais

A estrutura financeira global é o sistema nervoso central da economia mundial, e aqueles que a controlam detêm um poder imenso. Este poder está concentrado num conjunto de atores públicos e privados que, em conjunto, estabelecem as regras, gerem os fluxos de capital e determinam o destino económico de nações e empresas.

5.1 O Setor Oficial: Bancos Centrais e Instituições Financeiras Internacionais (IFI)

No vértice do setor oficial encontram-se os principais bancos centrais e as IFI criadas na era de Bretton Woods.

  • A Reserva Federal dos EUA (The Fed): Como banco central da maior economia do mundo e emissor da principal moeda de reserva, a política monetária da Fed tem ramificações globais imediatas. As suas decisões sobre as taxas de juro influenciam os fluxos de capital, as taxas de câmbio e as condições financeiras em todo o mundo. A Fed também colabora com parceiros internacionais, como o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) e o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), para promover a estabilidade financeira global, estendendo a sua influência regulatória para além das fronteiras dos EUA.

  • O Banco Central Europeu (BCE): O BCE governa a política monetária da Zona Euro, tornando o euro uma moeda global significativa, embora secundária. A profundidade dos seus mercados de câmbio permite-lhe absorver choques globais, mas a sua influência é limitada pela fragmentação dos mercados de capitais europeus em comparação com o mercado unificado e profundo dos EUA.

  • O Banco de Pagamentos Internacionais (BIS): Frequentemente designado como o "banco central dos bancos centrais", o BIS é um nó crucial, embora discreto, da governação financeira global. Com sede em Basileia, na Suíça, acolhe comités de definição de normas e serve como um fórum para a elite dos banqueiros centrais coordenar políticas longe do escrutínio público. O seu comité mais influente é o Comité de Basileia para a Supervisão Bancária (BCBS), o principal definidor de normas internacionais para a regulamentação bancária. Os seus padrões, como os acordos de Basileia III, definem os requisitos de capital para os bancos internacionalmente ativos e, embora tecnicamente sejam "lei suave", são quase universalmente transpostos para a "lei dura" nacional, demonstrando um imenso poder regulatório de facto.

  • O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial: Estas instituições gémeas são centrais para a gestão da economia global. O FMI foca-se na estabilidade macroeconómica, fornecendo empréstimos a países com problemas na balança de pagamentos, enquanto o Banco Mundial se concentra no desenvolvimento a longo prazo. O seu poder mais potente reside na condicionalidade: as reformas políticas (ajustamentos estruturais) que exigem dos países mutuários como condição para a assistência financeira. Estas condicionalidades moldam profundamente as políticas económicas e sociais das nações em desenvolvimento.

5.2 Os Senhores Privados: Gestores de Ativos e Agências de Notação

Paralelamente ao setor oficial, um pequeno número de empresas privadas exerce um poder estrutural que rivaliza, e por vezes ultrapassa, o das instituições públicas.

  • Os Gestores de Ativos "Três Grandes" (BlackRock, Vanguard, State Street): A mudança massiva dos investidores para fundos de índice passivos resultou numa concentração de propriedade sem precedentes. Estas três empresas tornaram-se coletivamente os maiores acionistas na esmagadora maioria das grandes empresas, incluindo 88% das empresas do S&P 500. A sua propriedade é efetivamente permanente e ilíquida, uma vez que os fundos de índice simplesmente replicam um mercado e não vendem ações com base no desempenho da empresa. Este facto confere-lhes um potencial de influência imenso. Embora votem frequentemente com a gestão, o seu verdadeiro poder, ou "poder oculto", é exercido através de compromissos privados com os executivos e da capacidade dos gestores de empresas de "internalizarem" os objetivos dos "Três Grandes" para evitar conflitos. Podem atuar como um "conselho de administração permanente de facto" para as empresas americanas , e o seu papel é frequentemente decisivo em batalhas de procuração, como demonstrado no caso do confronto entre a Trian e a DuPont.

Gestor de Ativos

Propriedade Combinada no S&P 500 (década de 2020)

Estatuto de Maior Acionista

Registo de Voto (Apoio à Gestão)

Registo de Voto (Apoio a Propostas de Governação dos Acionistas)

Mecanismo de Influência Principal

BlackRock

~20-25% (coletivamente com Vanguard & State Street)

Em 88% das empresas do S&P 500 (coletivamente)

Geralmente >90%

Varia; apoio crescente mas seletivo

Compromissos privados; plataforma "Aladdin"; cartas do CEO sobre valor a longo prazo

Vanguard

~20-25% (coletivamente com BlackRock & State Street)

Em 88% das empresas do S&P 500 (coletivamente)

Geralmente >90%

Apoio elevado (~75% para governação, ~92% para remuneração)

Compromissos privados; voto por procuração em governação/remuneração; cartas do CEO

State Street

~20-25% (coletivamente com BlackRock & Vanguard)

Em 88% das empresas do S&P 500 (coletivamente)

Geralmente >90%

"Voto de Minerva" decisivo em disputas renhidas

Voto por procuração; segue frequentemente os outros dois, mas pode ser decisivo

  • Agências de Notação de Crédito (ANC) (Moody's, S&P, Fitch): Estas empresas privadas atuam como guardiãs sistémicas dos mercados de capitais globais. As suas notações de crédito soberano determinam o custo de endividamento de um país e podem desencadear crises financeiras. Um rebaixamento pode cortar o acesso de um país aos mercados de capitais, forçando-o a procurar ajuda do FMI. As suas opiniões, embora privadas, têm um poder quase regulatório, influenciando as decisões de investimento de biliões de dólares. Desempenham um papel crítico no "impasse da notação de crédito", em que a ameaça de um rebaixamento impede as nações endividadas de procurarem o alívio da dívida de que necessitam.

A Linha Ténue entre o Poder Financeiro Público e Privado

A distinção tradicional entre reguladores públicos (como a Fed ou o BCBS) e atores do mercado privado (como a BlackRock ou a Moody's) está a tornar-se cada vez mais irrelevante. Na prática, eles formam um sistema único e integrado de governação financeira.

Considere-se o seguinte ciclo: organismos públicos como o BCBS estabelecem as regras sobre quanto capital os bancos devem deter. As ANC privadas, em seguida, avaliam esses bancos e a dívida soberana dos países onde operam, e essas notações afetam diretamente a capacidade de um banco cumprir os requisitos de capital do BCBS e a capacidade de um país aceder a capital. Os gestores de ativos privados como a BlackRock são os maiores proprietários tanto dos bancos que estão a ser regulados como das obrigações soberanas que estão a ser avaliadas. As suas decisões de investimento são fortemente influenciadas pelos resultados tanto do BCBS como das ANC. Para completar o ciclo, a plataforma de gestão de risco Aladdin da BlackRock é utilizada por bancos centrais e outras grandes instituições financeiras, o que significa que a tecnologia e os modelos analíticos de uma empresa privada estão incorporados no aparelho regulador público.

Isto cria um ciclo fechado onde os atores públicos e privados são codependentes e se reforçam mutuamente. Os reguladores públicos dependem das notações privadas, e o capital privado depende das regras públicas. Esta fusão de poder concentra a tomada de decisões numa pequena elite financeira tecnocrática — um subconjunto chave da CCT — que opera através da divisão público-privada, tornando o sistema excecionalmente resiliente ao desafio democrático.

Capítulo 6: Os Mestres da Produção e da Informação

Para além das finanças, o poder estrutural é exercido por empresas transnacionais que dominam os setores da produção e da informação. Estas empresas não só controlam vastos mercados, como também moldam as infraestruturas físicas e digitais das quais a sociedade moderna depende.

6.1 GAFAM e o Controlo da Infraestrutura Digital (Estrutura do Conhecimento)

As gigantes da tecnologia — Google (Alphabet), Amazon, Facebook (Meta), Apple e Microsoft (GAFAM) — detêm um poder económico e estrutural sem precedentes. As suas capitalizações de mercado excedem o PIB da maioria dos países, e consolidaram um "oligopólio da Internet" através da aquisição de centenas de concorrentes e startups.

O seu poder é fundamentalmente estrutural. Elas possuem e controlam a infraestrutura crítica da era digital: alojamento na nuvem (Amazon Web Services, Microsoft Azure, Google Cloud), redes de distribuição de conteúdo, lojas de aplicações (Apple App Store, Google Play), sistemas operativos, motores de busca e redes de publicidade. Este controlo confere-lhes um poder de guardião sobre a informação, a comunicação e o comércio. Elas definem os termos em que outras empresas podem operar e aceder aos mercados.

Este domínio económico é convertido em influência política. As GAFAM utilizam a sua imensa riqueza para exercer uma influência substancial na política pública através de enormes esforços de lobbying, do financiamento de think tanks de todo o espectro político e da operação de comités de ação política (PACs). Elas moldam ativamente a legislação e a regulamentação em áreas como a privacidade de dados, a concorrência e a tributação para protegerem os seus modelos de negócio.

6.2 Os Guardiões da Vida: Os Lobbies Farmacêutico e Agroalimentar (Estrutura de Produção)

Dois outros setores, essenciais para a vida humana, também se caracterizam por uma extrema concentração e por uma influência política significativa.

  • A Indústria Farmacêutica: Este setor exerce um poder enorme através do seu controlo sobre medicamentos essenciais. A sua influência na política é assegurada através de despesas massivas em lobbying e contribuições para campanhas, que excedem em muito as de outras indústrias. Esta despesa é utilizada para neutralizar os esforços governamentais para controlar os preços dos medicamentos. A narrativa da indústria — de que os preços elevados são um pré-requisito necessário para a inovação — molda o debate político e o quadro regulamentar, demonstrando poder não só sobre a estrutura de produção, mas também sobre a estrutura do conhecimento.

  • A Indústria Agroalimentar: Este setor é caracterizado por uma consolidação horizontal e vertical extrema. Um pequeno número de empresas, as chamadas "ABCD" (ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Company) e os seus novos rivais asiáticos, dominam o comércio global de matérias-primas. As megafusões no setor das sementes e pesticidas (por exemplo, a aquisição da Monsanto pela Bayer) concentraram o controlo sobre os próprios fatores de produção do sistema alimentar global em apenas três empresas, que controlam cerca de 60% das sementes patenteadas do mundo e 64% dos seus pesticidas. Esta consolidação ameaça a segurança alimentar global, reduz a biodiversidade através da promoção de monoculturas e comprime os meios de subsistência dos pequenos agricultores, que se tornam dependentes de um pequeno número de fornecedores.

A "Arma" da Interdependência

O poder estrutural destas ETN não deriva apenas do seu tamanho, mas do seu controlo sobre sistemas globalmente integrados dos quais a sociedade depende. O seu poder reside no controlo dos nós essenciais destes sistemas.

As GAFAM não se limitam a oferecer serviços; elas são proprietárias da infraestrutura digital (nuvem, lojas de aplicações) de que os outros necessitam para operar, criando uma relação de dependência. Os gigantes agroalimentares consolidados não se limitam a vender sementes; eles são proprietários dos códigos genéticos patenteados e dos pesticidas complementares que a agricultura industrial moderna exige, criando outra dependência. A indústria farmacêutica não se limita a vender medicamentos; ela controla a propriedade intelectual e as cadeias de abastecimento de medicamentos que salvam vidas e de que os sistemas de saúde nacionais necessitam, criando uma terceira dependência.

Estas empresas podem alavancar esta dependência sistémica para extrair concessões dos governos e moldar as regulamentações a seu favor. Uma ameaça da Amazon de remover os seus serviços na nuvem, ou da Bayer de reter uma nova variedade de sementes, ou da Pfizer de atrasar a distribuição de um medicamento, tem mais peso do que o lobbying tradicional. Esta é uma forma de poder estrutural coercivo que esbate a linha entre a economia e a segurança nacional, demonstrando como o controlo sobre as estruturas de produção e conhecimento se traduz em poder político direto.

Parte III: Redes de Influência e Ramificações no Terreno

O poder estrutural exercido pelos atores de vértice não opera no vácuo. É coordenado, legitimado e transmitido através de uma rede de fóruns de elite e de mecanismos institucionais que traduzem as agendas globais em realidades locais.

Capítulo 7: Os Definidores de Agendas - Incubadoras de Consenso da Elite

Vários fóruns transnacionais exclusivos desempenham um papel fundamental na formação de narrativas globais, na criação de consenso entre as elites e na definição de agendas políticas.

  • O Fórum Económico Mundial (FEM): A missão declarada do FEM é "moldar as agendas globais, regionais e da indústria" através da cooperação público-privada. A sua reunião anual em Davos reúne mais de 3.000 líderes globais dos negócios, da política, da academia e dos meios de comunicação social para discutir questões globais. O FEM é uma plataforma fundamental para a definição de narrativas globais e a promoção de quadros políticos específicos, como a iniciativa "Grande Reinicialização" pós-COVID-19, que defende um modelo de "capitalismo das partes interessadas" baseado em métricas ambientais, sociais e de governação (ESG) e na Quarta Revolução Industrial. Também estabeleceu uma parceria com a ONU para acelerar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

  • O Grupo Bilderberg: Trata-se de uma conferência anual exclusiva e altamente secreta de 120 a 150 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças e academia, principalmente da América do Norte e da Europa. O seu objetivo é "reforçar um consenso em torno do capitalismo de mercado livre ocidental". As discussões são realizadas sob a Regra de Chatham House, que permite aos participantes usar a informação obtida, mas não atribuí-la a um orador específico, fomentando um debate franco entre as elites. As evidências sugerem que tem sido influente na formação de políticas (por exemplo, a criação do euro) e serve como uma plataforma de lançamento de carreiras para futuros líderes de instituições internacionais como o Banco Mundial, a NATO e a Comissão da UE.

  • O Conselho de Relações Externas (CFR): Um think tank sediado nos EUA que influencia a política externa através das suas publicações, relatórios de grupos de trabalho e membros de alto nível. Embora seja menos um fórum de networking do que o Bilderberg, os seus relatórios e testemunhos de especialistas moldam o clima intelectual e as opções políticas consideradas pelo establishment da política externa dos EUA.

Característica

Fórum Económico Mundial (FEM)

Grupo Bilderberg

Conselho de Relações Externas (CFR)

Perfil dos Membros

1.000 empresas membros; 3.000+ participantes em Davos (negócios, política, academia, media, celebridades)

120-150 convidados (política de alto nível, finanças, indústria, academia da América do Norte/Europa)

Sediado nos EUA; figuras influentes na política externa, academia e negócios dos EUA

Objetivo Declarado

"Melhorar o estado do mundo"; moldar agendas globais; cooperação público-privada

Fomentar o diálogo transatlântico; reforçar o consenso em torno do capitalismo de mercado livre

Promover a compreensão das escolhas de política externa que os EUA e outros países enfrentam

Transparência

Sessões públicas, relatórios e iniciativas ("Grande Reinicialização")

Altamente secreto; Regra de Chatham House; sem imprensa, sem declarações

Relatórios públicos e revista (Foreign Affairs); reuniões privadas para membros

Mecanismo de Influência

Definição de agendas públicas; moldagem de narrativas; iniciativas globais; networking de alto perfil

Construção de consenso de elite; alinhamento estratégico não oficial; avanço na carreira dos participantes

Liderança intelectual; análise de políticas; moldagem dos parâmetros do debate de elite nos EUA

Impacto Documentado

Parceria com a ONU nos ODS ; promoção do "Capitalismo das Partes Interessadas"

Facilitou a criação do Euro ; plataforma de lançamento de carreiras para líderes do FMI, NATO, UE

Relatórios influentes que moldam os debates políticos dos EUA sobre a China, Rússia, comércio, etc.

Um Sistema Hierárquico de Coordenação de Elites

Estes fóruns não são intercambiáveis; eles desempenham funções distintas, mas complementares, dentro do ecossistema de coordenação de elites, funcionando como um pipeline para a formulação e disseminação de políticas.

O processo começa frequentemente no nível intelectual. O CFR atua como o motor intelectual, principalmente para o establishment da política externa dos EUA, gerando a análise política detalhada e os relatórios que formam a base da discussão da elite. As ideias e os quadros desenvolvidos aqui fornecem a substância para debates de nível superior.

Em seguida, o Grupo Bilderberg funciona como a incubadora privada e não oficial para forjar um consenso transatlântico entre os líderes políticos e empresariais de mais alto nível. É aqui que se alcança o alinhamento estratégico sensível sobre questões geopolíticas e económicas, longe do escrutínio público.

Finalmente, o FEM serve como a plataforma pública para disseminar e legitimar o consenso da elite. Ele traduz as ideias discutidas no CFR e o consenso construído no Bilderberg numa agenda polida e voltada para o público (por exemplo, "A Grande Reinicialização", "Capitalismo das Partes Interessadas") e envolve um círculo mais amplo de líderes globais, meios de comunicação social e até mesmo a sociedade civil na sua promoção.

Este processo de várias etapas maximiza a influência da agenda da elite, apresentando-a não como o programa de um grupo específico, mas como um consenso global inevitável e tecnocrático.

Capítulo 8: A Transmissão do Poder - Das Diretivas Globais às Realidades Locais

A influência dos atores de vértice e das redes de elite não é meramente teórica. Ela traduz-se em resultados tangíveis e muitas vezes devastadores a nível nacional e local, através de mecanismos de transmissão de poder.

8.1 O Nexo da Austeridade: Condicionalidades das IFI

O principal instrumento de influência do FMI e do Banco Mundial é a condicionalidade dos empréstimos. Em troca de assistência financeira, as nações mutuárias são obrigadas a implementar reformas políticas específicas, geralmente centradas na austeridade fiscal, privatização e liberalização económica.

  • Estudo de Caso: Argentina: A Argentina tem uma longa e dolorosa história com o FMI, com mais de vinte acordos desde 1958. O empréstimo recorde de 2018 veio com condições severas: crescimento zero da base monetária, consolidação fiscal acentuada e uma taxa de câmbio orientada para o mercado. As consequências foram o agravamento da recessão e o aumento da pobreza, com grande parte do dinheiro do empréstimo a facilitar a fuga de capitais em vez de investimento produtivo.

  • Estudo de Caso: Zâmbia: Um empréstimo do FMI na década de 2020 exigiu medidas de austeridade, incluindo o aumento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o aumento das tarifas de combustível e eletricidade. Isto levou a uma inflação galopante (a inflação alimentar atingiu 17,4%), a um aumento significativo da pobreza e da pobreza extrema, e à deterioração do sistema de saúde pública. As taxas de vacinação infantil caíram drasticamente e a desnutrição grave aumentou, demonstrando o impacto direto sobre os mais vulneráveis.

País

Programa FMI/Banco Mundial

Principais Condicionalidades Impostas

Impacto Económico Documentado

Impacto Social Documentado

Argentina

Acordo Stand-By (SBA) do FMI de 2018

- Crescimento zero da base monetária - Consolidação fiscal acentuada - Taxa de câmbio orientada para o mercado

- Agravamento da recessão - Fuga massiva de capitais - Trajetória de dívida insustentável

- Aumento da taxa de pobreza - Agitação social - Subversão da supervisão democrática

Zâmbia

Facilidade de Crédito Alargado (ECF) do FMI da década de 2020

- Aumento do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) - Aumento das tarifas de combustível e eletricidade - Medidas de austeridade gerais

- Inflação galopante (15,4% geral, 17,4% alimentar) - Erosão do valor real dos orçamentos públicos

- Aumento significativo da pobreza (para 60%) e da pobreza extrema (para 48%) - Taxas de vacinação infantil caíram de 88% para 63% - Desnutrição infantil grave aumentou de 0,7% para 3,1%

8.2 O Julgamento do Capital: Dívida Soberana e o "Prémio de Risco Africano"

As Agências de Notação de Crédito (ANC) atuam como árbitros da solvabilidade de uma nação. Um rebaixamento da notação pode aumentar drasticamente os custos de endividamento, cortar o acesso ao mercado e desencadear uma crise financeira.

  • O "Prémio de Risco Africano": Existem evidências e acusações generalizadas de um preconceito contra as nações africanas, às quais é atribuído um "prémio de risco" mais elevado do que os seus fundamentos económicos sugeririam. Isto aumenta sistematicamente o custo do capital para o desenvolvimento africano.

  • Estudo de Caso: Gana: Em 2022, a Moody's rebaixou a notação soberana do Gana, uma ação que o governo ganês e o Mecanismo Africano de Revisão de Pares denunciaram como baseada em imprecisões e preconceito do analista. Este rebaixamento foi visto como uma ameaça direta à sustentabilidade da dívida do país e frustrou os seus esforços de consolidação fiscal, contribuindo para as condições que exigiram uma reestruturação abrangente da dívida no âmbito do Quadro Comum do G20.

A Cascata de Poder Pró-cíclica

O poder das IFI e das ANC não opera isoladamente. Eles criam uma cascata de poder pró-cíclica que amplifica as crises, especialmente no Sul Global. O processo desenrola-se frequentemente da seguinte forma: ocorre um choque global (por exemplo, uma pandemia). As ANC, citando a deterioração dos fundamentos e um percebido "prémio de risco africano", rebaixam a notação de um país como o Gana. Este rebaixamento torna proibitivamente caro ou impossível para o Gana endividar-se nos mercados privados para gerir o choque.

Enfrentando uma crise na balança de pagamentos, o Gana é forçado a recorrer ao FMI como credor de última instância. O FMI impõe duras condicionalidades de austeridade como condição para o empréstimo. Estas medidas de austeridade contraem a economia, aumentam a pobreza e degradam os serviços públicos, agravando ainda mais os fundamentos económicos do país. Isto pode levar a novos rebaixamentos, criando uma armadilha de dívida viciosa.

Neste ciclo, a "solução" (um programa do FMI) prescrita para um problema frequentemente criado ou exacerbado por outra parte da arquitetura financeira global (as ANC) acaba por aprofundar a crise. Isto demonstra como os diferentes componentes da estrutura de poder global funcionam em conjunto, muitas vezes com consequências devastadoras a nível nacional e local, aprisionando os países em desenvolvimento em ciclos de dívida e dependência.

Conclusão: O Estado do Poder Global e as Suas Trajetórias Futuras

A análise deste relatório revela que o poder global no século XXI está organizado não como uma hierarquia única, mas como um sistema em rede de atores públicos e privados. Este sistema é unido por uma ideologia partilhada de capitalismo global e exerce um poder estrutural através de instituições-chave nas finanças, produção e conhecimento. A Classe Capitalista Transnacional atua como o agente humano que gere e beneficia desta arquitetura, coordenando a sua agenda através de uma série de fóruns de elite. A influência deste sistema é transmitida para o nível nacional através de mecanismos como as condicionalidades dos empréstimos e as notações de crédito, com impactos profundos e muitas vezes negativos nas populações, especialmente no Sul Global.

Este sistema sofre de défices de legitimidade inerentes. As decisões cruciais que afetam a vida de milhares de milhões de pessoas são tomadas por tecnocratas não eleitos, empresas privadas e redes exclusivas, longe da responsabilização democrática. A arquitetura do poder global não só reflete, como também perpetua e aprofunda as desigualdades globais, como demonstrado nos estudos de caso da Argentina, Zâmbia e Gana.

No entanto, esta estrutura não é estática nem incontestada. As trajetórias futuras do poder global serão moldadas por vários desafios. A ascensão da China e de outras potências emergentes, que procuram construir instituições alternativas (como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas) e desafiar a hegemonia do dólar, representa o desafio geopolítico mais significativo. Podem também surgir fraturas internas no seio da elite ocidental, à medida que as pressões do populismo nacionalista e as crises económicas testam a sua coesão. Finalmente, a crescente resistência dos movimentos da sociedade civil global, que exigem uma ordem global mais justa, equitativa e democrática, pode exercer pressão a partir de baixo para a reforma. O futuro da governação global dependerá do resultado destas lutas pela alma da ordem internacional.

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